sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Frank Mentzer e sua definição de “Nova Escola”

FRANK-149x128 Para quem não sabe, Mentzer foi um autor e funcionário da TSR nos primórdios do hobby, seus trabalhos uma referência para uma geração inteira. Inclui, mas não se resume a só: D&D básico (a caixa vermelha e sua ramificações), a série “Slave Lords” e “Keep on the Borderlands”(como editor) e a megacampanha “Temple of Tracy HickmanElemental Evil” (expandindo material de Gary Gigax). Aqui eu retiro uma trecho da curta biografia e apresentação feita a Tracy  Hickman (o “pai” de Dragonlance e Ravenloft) no fórum Dragonsfoot, o qual levantou uma opinião interessante, e informada, sobre os rumos do D&D nos anos 80. Leia a seguir (com a devida tradução, para os órfãos em inglês, abaixo):

“Tracy's Dragonlance series (including Dragons of Despair, Flame, Hope, Desolation, Mystery, Ice, Light, War, Deceit, Dreams, Glory, Faith, Truth, and Triumph -- say that 3 times fast) was a major change of course for TSR and the entire game industry... the arrival of New School gaming. No longer were we doomed to wandering aimlessly in dungeons; there were radical things in DL, like PLOT (egad!) -- and a whole new setting, adding to the classic originals of Greyhawk and Blackmoor.”
[A série Dragonlance de Tracy (…) foi uma grande mudança nos rumos da TSR e na indústria de jogos… a chegada da nova escola. Nunca mais estaremos condenados a perambular sem destino em masmorras; existiam idéias radicais em DL, como ENREDO – e um completo novo cenário, somando aos clássicos originais Greyhawk e Blackmoor]
O que se depreende desse texto? Apesar de achar que o entusiamado Mentzer não está, necessariamente, falando mal da velha escola, sua indicação do trabalho seminal da nova nos coloca novas luzes para entender a diferença entre um e outro. Para quem conhece os módulos citados, ou pelo menos leu os romances, sabe mais ou menos o que Frank quiz dizer com “enredo”, mas para aqueles que não, uma descrição do que seria: os módulos seguem de maneira constante uma história estipulada pelo autor, no caso o conto da guerra da lança, e encaram encontros e combates razoavelmente determinados pelos acontecimentos. Bom é fácil ver que essa descrição bate com a forma com que a maioria joga rpg desde então! Inclusive, o trecho sugere que os módulos anteriores eram desprovidos de enredo, o que é enganosamente errôneo.
O que acho que o sr. Mentzer quis dizer, é que nos módulos antigos, basicamente se tinha um cenário, uma masmorra, convidando exploração sem um motivo grandioso ou nobre para isso.  A motivação principal do jogador “old school” é uma ambição materialista de acumular tesouros. Era sim possível tecer algum enredo dentro desse esqueleto fornecido, mas era uma prerrogativa inteiramente a cargo do DM. Mesmo acreditando que muitos fizeram exatamente isso, um gancho “padrão” para todos esses módulos era essa busca genérica por “Fama e Fortuna”.
Os módulos Dragonlance, ao contrário, apresentavam um cenário bem delineado onde os aventureiros assumiam os papéis dos DL1 - Dragon of Despair protagonistas num romance de alta fantasia. Eles eram os heróis, e promoviam atos de coragem contra as maquinações do(da) grande vilão(vilã) ultra-poderoso: Takhisis, que também pode ser entendida como Tiamat, o dragão de cinco cabeças! Eles não estavam enfrentando meramente goblins numa caverna escura por algumas míseras centenas de moedas de ouro, não, mas sim uma onipotente (ou quase) Deusa Maior. O objetivo era salvar o mundo da destruição e conquista certa, sendo que a fama e fortuna eram objetivos, no mínimo, secundários na trama. Imagino como isso deva ter sido um “boom” para o hobby, ainda em seus estágios iniciais. Inclusive, essa maneira de se encarar aventuras, a alta fantasia, eventualmente superou em ênfase a tradicional espada e feitiçaria nos lançamentos da TSR e da Wizards para o D&D. Aos poucos a maneira antiga de jogar foi desaparecendo e imitações (em geral muito inferiores) do grande épico Senhor dos Anéis se tornou o lugar comum nas inúmeras campanhas espalhadas pelo mundo.
Contudo, essa abordagem escondia defeitos que só ficaram aparentes ao longo dos anos de evolução do hobby. A principal delas é o foco nas “aventuras sobre trilhos”. Quer dizer, a coerção (seja ela intencional ou não) das ações dos personagens jogadores para que se siga o “enredo da história”, em detrimento das escolhas que o jogador gostaria de fazer por conta própria. Existem campanhas e campanhas, e imagino que alguns mestres (como eu) iam até as raias da improvisação para mitigar o impacto desse elemento no jogo. Mas no final, todo esforço era em vão, pois se fosse dado muito poder de decisão para os jogadores, e eles começassem a fazer as escolhas erradas (um conceito que só passou a fazer diferença na nova escola), a história sairia comprometida e por consegüinte toda a diversão no final.
A campanha “old school”, ao contrário, por ter suas raízes bem enraigadas na espada & feitiçaria, envolve “enredos” muito menos grandiloqüentes, mas igualmente surpreendentes. O foco é local e pessoal, e objetivos envolvem acumular fortuna e reputação, ou apenas sobreviver para mais um dia de aventuras. Uma campanha que queria receber esse adjetivo escolhe contar a história dos personagens dos jogadores, suas realizações e fracassos pessoais num mundo onde a magia e o sobrenatural permeiam a cada instante. Ela pode conter tanta ou mais magia e feitos “heróicos” quanto a alta, mas não se importa se os protagonistas são os heróis ou vilões, se eles nasceram destinados sob os auspícios de uma grande profecia ou são os herdeiros do reino. Tudo o que um herói de espada e magia, e consequentemente, um herói “old school” pode esperar é conseguir aquilo que sua astúcia, força e perseverança o permitam arrancar do mundo. Assim, na alta fantasia o herói é destinado a grandeza, enquanto na espada & feitiçaria ele se faz pela sua espada!
Não é o momento ainda para discorrer sobre o que eu percebo como os méritos do último em relação ao primeiro, apenas no que rege sua função como material de rpg. Acho que quem ler essa opinião do sr. Mentzer pode tirar suas próprias conclusões.
Assim, até o próximo post.

5 comentários:

  1. mais um excelente post, parabens!
    eu fiz uma tradução de um texto do trollsmyth, q fala como o heroi old school seria um "conan", um conquistador e desbravador, e o heroi atual é mais um "aragorn", um cara q nao é sailor moon mas luta pelo amor e a justiça!
    http://modulosrpg.blogspot.com/search/label/a%20est%C3%A9tica%20mutante%20do%20dnd

    se posso dar uma sugestao para o futuro, queria ler uma materia sobre greyhawk, meu cenario favorito atualmente! abraço

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  2. Rafael
    Eu li esse post do Trollsmith na época, achei elucidador. E pode deixar, falar sobre cenários de campanhas está em meus planos, inclusive o greyhawk.
    Abraços

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  3. Professor
    Obrigado pela força. Fique antenado que mais está por vir.
    Abraços

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  4. muito bom o post e achei bastante interessante a comparação de aragorn e conan feita nos comentários

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